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"Os médicos dentistas não são médicos de segunda categoria"

  • Foto do escritor: AIMD Associação Independente de Médicos Dentistas
    AIMD Associação Independente de Médicos Dentistas
  • 6 de nov. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 17 de mar. de 2022


Que motivações estiveram na origem da Associação Independente de Médicos Dentistas (AIMD)?


Num período em que a classe profissional sentia um absentismo ensurdecedor por parte da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) em lutar pelos desafios prementes da profissão e, por outro lado, havia receio das pessoas se insurgirem numa navegação à deriva, procurei reunir uma equipa de colegas dispostos a sair da sua zona de conforto, a colocarem-se na linha da frente para mobilizar os médicos dentistas. Não em jeito de guerrilha ou oposição, mas uma voz dissonante. Todos sabíamos o que estava mal na profissão, faltava arriscar e propor fazer: agitar as águas, despertar os colegas. Não havia nada a perder, muito pelo contrário: o buraco que se cavava parecia não ter fundo.

Em novembro de 2019, decidimos reunir as espingardas e encontrámo-nos no congresso da OMD. Posteriormente, criámos um grupo privado no Facebook, onde as pessoas se pudessem manifestar sem medo, e preparámos as bases para o movimento que acabou por se tornar a Associação Independente de Médicos Dentistas. A audácia e a determinação que fomos demonstrando foi o primeiro passo para ganhar a credibilidade dos nossos colegas. A mensagem principal era: se os outros não fazem, porque não querem, não podem ou não lhes apetece, contem connosco para fazer e deixem-nos fazer; até alguém mostrar por A + B que determinado objetivo não é exequível, nós não baixamos os braços. E assim tem sido, desde novembro do ano passado, passando pela nossa constituição legal em maio deste ano, até hoje. Estamos motivados, enérgicos e empenhados em instaurar um novo paradigma da saúde oral e da profissão na sociedade.



Em que medida considera que a AIMD poderá fazer a diferença relativamente a outras entidades representativas da Medicina Dentária nacional?


Infelizmente, o atual governo parece determinado em diminuir a preponderância das ordens profissionais na regulação do exercício das profissões e enquanto instituições credíveis para aconselhamento socio-político. O associativismo nunca foi tão importante como hoje. Uma associação com representatividade do público-alvo que pretende defender tem um estatuto social que não pode ser menosprezado. Se há determinados assuntos em que a OMD não se pode envolver, a AIMD não tem barreiras legais nem constrições políticas que a impeçam de se pronunciar ativamente sobre as temáticas que entender, interpelar as instituições reguladoras sobre as mesmas e apresentar propostas que defendam os interesses dos doentes e dos médicos dentistas. Exemplos disso têm sido as nossas intervenções nos meios de comunicação social e nas revistas da profissão, nomeadamente em março passado, quando foi decretado o Estado de Emergência: a AIMD foi a primeira instituição a ter voz, em horário nobre, para expor ao país as dificuldades que os médicos dentistas se preparavam para atravessar, e foi com um enorme sentido de dever que o aceitámos fazer. Ainda nesse tema, estabelecemos contactos com praticamente todos os partidos políticos com assento parlamentar que pudessem acolher e refletir as nossas propostas.



Qual tem sido a adesão da classe a este recente projeto associativo?


Na génese da associação, estiveram seis pessoas, sendo que a Rute Miranda foi a primeira a abraçar o desafio. De um núcleo de seis colegas, passámos a 13, que atualmente incorporam os órgãos sociais; com a abertura a inscrições, rapidamente ultrapassámos os cem associados; esperançosamente, desejamos chegar ao milhar de associados no final do primeiro mandato. Para tal, é necessário ter provas dadas e apresentar resultados. Porque uma associação com este potencial não se pode ficar por um grupo de debate e reflexão, é nisso que estamos empenhados, e é isso que temos vindo a efetivar: abraçar lutas que muitos julgam impossíveis, aquelas que estão no cerne dos verdadeiros negrumes da profissão.

Uma medida importante que estamos a desenvolver é a criação de representantes regionais por todo o território nacional, que possam fazer a ponte do núcleo dirigente da AIMD para as várias zonas do país e que facilitem a mobilização dos colegas. Com uma rede de comunicação bem estruturada, conseguiremos certamente chegar a muitos mais médicos dentistas.



Quais são as principais causas da profissão assumidas pela atual direção?


Seguros/planos de saúde e numerus clausus são, sem sombra de dúvida, os grandes males da nossa profissão, dos quais derivam muitos outros problemas, e são também os piores desafios para nos propormos a atingir resultados. O excesso de alunos nas instituições de ensino superior não só prejudica a qualidade da sua formação como também agrava o excedente de profissionais no mercado de trabalho. Note bem: os alunos estão a pagar uma formação pré-graduada que não os prepara para as exigências da profissão, estão a ser defraudados. Perante isto, existem empresas, conglomerados e grandes grupos económicos que se sentem no direito de propor condições contratuais e de trabalho desumanas aos médicos dentistas.

Numa sociedade individualista e num mundo mercantilista, haverá sempre quem esteja disposto a aceitar essas condições, com prejuízo de quem efetivamente trabalha, porque quem as propõe só pensa em como rentabilizar o seu negócio. Não nos podemos esquecer da percentagem cada vez maior de colegas que enfrentam situações precárias, seja de trabalho ou de sobrevivência, e que procuraram outras saídas profissionais fora da Medicina Dentária.

Em última instância, é importante perceber que o principal prejudicado por esta saúde que se vende ao quilo é o paciente, e se a sociedade não parece estar minimamente preocupada com a mercantilização da saúde, haverá uma surpresa desagradável em breve. A saúde é o bem mais precioso do ser humano, e comercializá-la de forma tão leviana e banal como quem vai ao supermercado acarreta inúmeros dilemas éticos e consequências graves para as pessoas.

Por estas razões, paralelamente ao diálogo com a OMD, estabelecemos contactos e reunimos presencialmente com a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), a Associação Portuguesa de Seguradores (ASP) e o Instituto de Proteção e Assistência na Doença (ADSE), na esperança de se poder perspetivar um diferente prisma no modelo de implementação das seguradoras e subsistemas de saúde no apoio ao doente. Uma seguradora será naturalmente um negócio, a própria saúde é um negócio, onde se comercializa o bem mais valioso da pessoa, a par da sua liberdade. Uma seguradora que entenda que o seu segurado terá maior satisfação por ter valores gratuitos e abaixo de custo nos atos médicos, ao invés de uma relação de confiança e liberdade de escolha dos profissionais de saúde, assume uma visão supérflua e limitada da medicina, não está a considerar as demais variáveis que podem influenciar negativamente o bem-estar do paciente: a sobrefaturação, o sobretratamento, a publicidade agressiva para captação de clientes (e não pacientes), a diminuição da qualidade dos tratamentos, o subemprego…



Que importância atribui a AIMD à formação contínua/pós-graduada e em que moldes tem vindo a promover esta vertente?


Felizmente, a Medicina Dentária em Portugal goza de uma excelente oferta de formação contínua, através das várias sociedades e organizações científicas que distintamente a representam. Nós procuramos complementar um setor dessa formação: a ética profissional; a responsabilidade individual e coletiva; a atividade das instituições reguladoras.

Antes da pandemia, iniciámos um projeto com muito potencial – um ciclo de conferências a nível nacional – que foi suspenso por via das imposições de saúde pública. Entretanto, já o retomámos e em outubro passado realizámos o primeiro encontro. A nossa ideia é visitar vários locais do país, não nos cingindo apenas às cidades habituais, para auscultar os colegas, levar o debate da profissão a todos e apresentar as nossas propostas de ação. E muitos pedidos nos surgem para levar os temas a diferentes cidades. Financeiramente, é difícil sustentar um projeto desta magnitude sem uma grande maquia de associados, não só pelo tempo despendido como também pelos custos envolvidos, mas os colegas merecem ser ouvidos e nós queremos dar-lhes essa oportunidade.



Que laços tem vindo a AIMD a estabelecer com outras entidades (públicas e privadas) ligadas ao setor?


Um dos primeiros passos desta caminhada e também um dos mais importantes foi procurar o nosso enquadramento social e sinergias com outras organizações, instituições e movimentos afetos à Medicina Dentária. No primeiro encontro informal que atrás mencionei, em novembro, conhecemos dois elementos da APOMED-SP: Manuel Nunes, que foi também o primeiro a reconhecer o nascimento da AIMD e a prestar apoio pessoal e institucional para a nossa causa, e a Joana Ribeiro. Também falámos com o Avelino Carvalho, que procurava reativar o projecto do Sindicato de Médicos Dentistas. Em seguida, com José Mário Martins, médico e presidente da Associação de Medicina de Proximidade (APCMG), com a qual me identifico bastante e com quem partilhamos alguns projetos interessantes. Estas três organizações, desconhecidas por alguns, foram os primeiros contactos institucionais e parcerias que desenvolvemos. Mais tarde, contribuímos para a génese da Associação Nacional de Clínicas (ANC), presidida por André Pereira Simões, e abrimos as portas à Associação Nacional de Estudantes de Medicina Dentária (ANEMD) através do seu presidente, Tiago do Nascimento Borges. Inclusive, organizámos uma tertúlia em formato virtual, aberto a todos, entre a AIMD, APOMED-SP, ANC e ANEMD, para apresentar ao público os mais diversos propósitos a que estas associações se poderiam propor, individual ou coletivamente.



Que abertura existe da parte da OMD para acolher as reflexões e propostas da AIMD?


Desde a apresentação da sua candidatura, o atual bastonário da OMD, Miguel Pavão, mostrou a sua total disponibilidade para trabalhar com a AIMD e, agora empossado, não faltou à palavra dada. Posso adiantar-lhe que o senhor bastonário já me recebeu na delegação da OMD em Lisboa, onde ouviu com atenção as nossas preocupações, debateu em conjunto as nossas propostas e explicou que caminhos esta atual direcção pretende enveredar. Os problemas identificados são os mesmos, e a vontade de estabelecer sinergias é partilhada. É com muita gratificação e sentido de missão que acolhemos a confiança que deposita na AIMD e reiteramos a mesma disponibilidade de contribuir para a sua ação.



Como encara a presente conjuntura da classe face à pandemia de COVID-19?


Não há dúvida de que nos preparamos para entrar num novo paradigma de biossegurança em medicina. A ciência não consegue, como é natural, divulgar rapidamente informações claras sobre a propagação do vírus. Existe, como é percetível, uma gestão política calculista do tema, para controlo de danos. Há um boom de informação que nos é veiculada pelos media e pelas redes sociais, nem sempre precisa ou verdadeira. Em conjunto, isto cria desconfiança nas instituições e pânico social.

Não será talvez o momento para avaliar o saldo que as medidas para travar a pandemia, como o confinamento obrigatório, trouxeram ao país. No entanto, a nossa classe profissional foi absolutamente fustigada em poucos meses. Clínicas em risco de falência, despedimentos, inflação absurda e esgotamento de equipamentos de proteção, colegas a recorrer ao Banco Alimentar contra a Fome, etc. Se a precariedade já assolava a Medicina Dentária, imagine-se o panorama que vivemos atualmente. Politicamente, os médicos dentistas têm pouco peso – não dão votos, são “apenas” 11.000 profissionais – e a saúde oral, como se sabe, é uma área de intervenção desvalorizada, o que não abona a nosso favor.

No meu entendimento, a nossa responsabilidade enquanto cidadãos é criarmos condições para que se minimize a disseminação do vírus; enquanto profissionais de saúde, é evitar alarmismos, ser exímios no cumprimento das novas guidelines de biossegurança, ser optimistas e, sobretudo, transmitir segurança aos nossos pacientes. Só partindo destes pressupostos é que poderemos então levantar as nossas clínicas.

Paralelamente, há medidas que deverão ser tomadas com alguma urgência, como a criação de uma reserva estratégica de EPI, e outras que deverão ser reformuladas e melhoradas, como os apoios aos sócios-gerentes e os subsídios a fundo perdido para aquisição de EPI e obras de melhoramento das clínicas. Talvez a medida mais importante, que peca por tardia, é assumir que o médico dentista é um profissional de primeira linha e que a saúde oral não pode ser uma área secundária de intervenção do governo.



É intenção da AIMD organizar, a curto ou médio prazo, algum congresso ou simpósio nacional em formato presencial e/ou online? Em caso afirmativo, que pormenores pode adiantar sobre esse evento?


Além do primeiro encontro nacional e de alguns webinars que fomos organizando ao longo dos últimos meses, era nossa intenção ter promovido um congresso presencial no final deste ano, antes de estarmos sujeitos a medidas de confinamento e contingência. O plano não desapareceu, simplesmente teremos de o reinventar à luz das novas exigências de saúde pública. Como já mencionei, queremos que os colegas pensem connosco em soluções para os problemas da Medicina Dentária, queremos que sintam a responsabilidade coletiva dos danos causados à profissão e de os abordar, e por muitas que sejam as novas tecnologias ao nosso dispor, há discussões que pela sua magnitude e importância só se conseguem desenvolver em formato presencial. Qualquer organização sente isso, a mobilização das pessoas e os feedbacks não são os mesmos, e a opção online acaba por se converter numa desculpa para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos à distância. Mas não será uma pandemia que irá travar a nossa mobilização.



Que objetivos fundamentais espera ter atingido no final do seu mandato?


O mais importante é que a AIMD se converta numa plataforma com suficiente representatividade da classe e que assuma relevo social, porque aí saberei que o nosso trabalho está a ser bem executado, e que a Medicina Dentária suba muitos lugares nas prioridades do governo.

Mais ainda, algo que me move bastante é a aproximação à classe médica, porque a precariedade também os começa a atingir, e os médicos dentistas não são médicos de segunda categoría; devemos estar de igual para igual para com os médicos. As profissões de saúde têm de se unir em torno de objetivos comuns: combater o mercantilismo na saúde, valorizar a relação com o doente, trabalhar sob a medida da ética e não do dinheiro. Queremos que as clínicas não sejam subjugadas pelos interesses dos grandes grupos económicos, que os seguros e planos de saúde não detenham primazia negocial para impor condições aos médicos. A chave para uma medicina segura e de confiança é que não haja intervenientes externos na relação médico-doente.



Fonte: https://www.maxillaris.com/entrevista-20201112-Os-medicos-dentistas-nao-sao-medicos-de-segunda-categoria%E2%80%9D.aspx


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